quinta-feira, 7 de junho de 2018

Poéticas periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana




Dhay Borges

Foram tantos os sentimentos que consubstanciaram a minha energia, que não me atrevi a ser um prefaciador técnico, mas sim, me deixei levar pelos escritos generosos das mãos que teceram essa obra através da vida cotidiana, por meio das suas dores individuais ou coletivas, e até mesmo pela demonstração das suas inquietações, que aspiraram amor e contentamento. Desta forma, fui amplamente tomado a um ato também revolucionário de escrevinhar essas linhas, que nortearão esse caudaloso conteúdo que será apresentado como fonte de enfrentamento para gerações futuras.

Com tantos pontos a destacar nessa grandiosa engenharia poética, não posso me furtar a memorar a unidade de vivências, experiências e práticas encorajadoras reunidas em uma coletânea, que traduz em várias linhas uma centena de anseios e certezas.

Poéticas periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana reforça a participação de inspiradores escritores a se aprofundarem, de forma aguda, nos processos histórico, cultural e políticos numa produção revolucionária através dos escritos literários. O momento sempre é propício, pois é uma oportunidade de reacender pautas sociais de uma forma geral, bem como as pautas particulares da população negra, periférica e empobrecida pelo abandono e pela violação moral.

Vejo nesta obra duas principais linhas que merecem ser amplamente destacadas, e para as quais convém chamar a atenção do leitor frente a esse manual popular de resistência periférica. Primeiro, a mais importante de todas: a utilização das linhas revolucionárias através da literatura moderna em novas linguagens, e não mais importantes que outras formas de resistência produzidas pelas mãos do passado, mas um instrumento que, evidentemente, se desenha como uma bússola criativa que desloca pautas vitais para reflexão e debate de assuntos como o racismo, a homofobia, a identidade e o machismo. Ademais, essa obra desloca naturalmente as reflexões e debates de recintos hegemonicamente frios e constrangedores, para serem então acamados em locais mais acessíveis, podendo entronizar os debates no cotidiano das pessoas, que são justamente os espaços periféricos. A obra vai ainda mais longe e articula o uso irrestrito da abertura de novas vias de manutenção econômica, social, cultural e, mais que isso, reafirma e reforça a identidade, fomentando a criação de novos espaços populares para a reflexão sobre as pautas anteriormente citadas. Será esta obra mais uma ferramenta que possibilitará importantes debates em gerações distintas? Tenho absoluta certeza.

A segunda razão para se ler esta obra é a vitalidade apresentada em seu conteúdo, que lança como pano de fundo a enorme habilidade de conglomerar uma grande quantidade de seguimentos, como: sentimentos, alertas, violação e violência urbana, valorização social, empoderamento feminino, emancipação e vida da juventude negra, entre tantas outras questões importantes, abordadas através de elaboradas poesias que dialogam com o cotidiano. Também é importante frisar a forte relação das redes consolidadas que trouxeram grandes expoentes da engenharia literária, figuras já conhecidas da prática de ocupação de espaços politizados, assim como inúmeras revelações da poesia contemporânea, que têm como palco central de sua arte os espaços públicos. A autonomia e a capacidade de se recriar são as engrenagens precípuas de resistência que contrapõem um tempo negativo de silêncio e invisibilidade, cuja tentativa é construir novas perspectivas fundamentadas na libertação, além de potencializar o surgimento de novas vozes. Por um lado, julgo necessário reafirmar os entraves e escassez a serem suplantados, afim de construir um terreno fértil, íntegro, sólido e permanente para os porta-vozes de uma nova cena histórica, para então insurgirem sobre incansáveis batalhas reivindicatórias que, terminantemente, ombreiam com as aspirações e as necessidades de construir-se um mundo de reflexão e lucidez.

Ao apresentar meu aprofundamento nesta obra, gostaria de agregar mais observações a título de esclarecimento, pois nenhum outro intuito me anima como a possibilidade de indicar o modo pelo qual deveríamos exercer o nosso olhar a esse manual popular de resistência periférica, então me contive nessa saborosa experiência para expô-la da forma mais concisa possível. Porém, essa obra deixa as portas da imaginação abertas para novas experiências, constatações e avaliações, que sem dúvidas alargarão as percepções emocionais e construções interpretativas. Assim sendo, convido-os a se debruçar neste excelente universo urbano literário.
Boa leitura!

(*) Dhay Borges faz parte do Coletivo das Entidades Negras – CEN, é articulador, militante dos direitos humanos, combatente do racismo, pensador.

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