Dhay Borges
Foram tantos os
sentimentos que consubstanciaram a minha energia, que não me atrevi a ser um
prefaciador técnico, mas sim, me deixei levar pelos escritos generosos das mãos
que teceram essa obra através da vida cotidiana, por meio das suas dores
individuais ou coletivas, e até mesmo pela demonstração das suas inquietações,
que aspiraram amor e contentamento. Desta forma, fui amplamente tomado a um ato
também revolucionário de escrevinhar essas linhas, que nortearão esse caudaloso
conteúdo que será apresentado como fonte de enfrentamento para gerações
futuras.
Com tantos pontos a
destacar nessa grandiosa engenharia poética, não posso me furtar a memorar a
unidade de vivências, experiências e práticas encorajadoras reunidas em uma
coletânea, que traduz em várias linhas uma centena de anseios e certezas.
Poéticas periféricas: novas vozes da poesia
soteropolitana
reforça a participação de inspiradores escritores a se aprofundarem, de forma
aguda, nos processos histórico, cultural e políticos numa produção
revolucionária através dos escritos literários. O momento sempre é propício,
pois é uma oportunidade de reacender pautas sociais de uma forma geral, bem
como as pautas particulares da população negra, periférica e empobrecida pelo
abandono e pela violação moral.
Vejo nesta obra duas
principais linhas que merecem ser amplamente destacadas, e para as quais convém
chamar a atenção do leitor frente a esse manual popular de resistência
periférica. Primeiro, a mais importante de todas: a utilização das linhas
revolucionárias através da literatura moderna em novas linguagens, e não mais
importantes que outras formas de resistência produzidas pelas mãos do passado,
mas um instrumento que, evidentemente, se desenha como uma bússola criativa que
desloca pautas vitais para reflexão e debate de assuntos como o racismo, a
homofobia, a identidade e o machismo. Ademais, essa obra desloca naturalmente
as reflexões e debates de recintos hegemonicamente frios e constrangedores,
para serem então acamados em locais mais acessíveis, podendo entronizar os
debates no cotidiano das pessoas, que são justamente os espaços periféricos. A
obra vai ainda mais longe e articula o uso irrestrito da abertura de novas vias
de manutenção econômica, social, cultural e, mais que isso, reafirma e reforça
a identidade, fomentando a criação de novos espaços populares para a reflexão
sobre as pautas anteriormente citadas. Será esta obra mais uma ferramenta que
possibilitará importantes debates em gerações distintas? Tenho absoluta
certeza.
A segunda razão para
se ler esta obra é a vitalidade apresentada em seu conteúdo, que lança como
pano de fundo a enorme habilidade de conglomerar uma grande quantidade de
seguimentos, como: sentimentos, alertas,
violação e violência urbana, valorização social, empoderamento feminino,
emancipação e vida da juventude negra, entre tantas outras questões
importantes, abordadas através de elaboradas poesias que dialogam com o
cotidiano. Também é importante frisar a forte relação das redes consolidadas
que trouxeram grandes expoentes da engenharia literária, figuras já conhecidas
da prática de ocupação de espaços politizados, assim como inúmeras revelações
da poesia contemporânea, que têm como palco central de sua arte os espaços
públicos. A autonomia e a capacidade de se recriar são as engrenagens precípuas
de resistência que contrapõem um tempo negativo de silêncio e invisibilidade,
cuja tentativa é construir novas perspectivas fundamentadas na libertação, além
de potencializar o surgimento de novas vozes. Por um lado, julgo necessário
reafirmar os entraves e escassez a serem suplantados, afim de construir um
terreno fértil, íntegro, sólido e permanente para os porta-vozes de uma nova
cena histórica, para então insurgirem sobre incansáveis batalhas
reivindicatórias que, terminantemente, ombreiam com as aspirações e as
necessidades de construir-se um mundo de reflexão e lucidez.
Ao apresentar meu
aprofundamento nesta obra, gostaria de agregar mais observações a título de
esclarecimento, pois nenhum outro intuito me anima como a possibilidade de
indicar o modo pelo qual deveríamos exercer o nosso olhar a esse manual popular
de resistência periférica, então me contive nessa saborosa experiência para
expô-la da forma mais concisa possível. Porém, essa obra deixa as portas da
imaginação abertas para novas experiências, constatações e avaliações, que sem
dúvidas alargarão as percepções emocionais e construções interpretativas. Assim
sendo, convido-os a se debruçar neste excelente universo urbano literário.
Boa leitura!
(*) Dhay Borges faz
parte do Coletivo das Entidades Negras – CEN, é articulador, militante dos
direitos humanos, combatente do racismo, pensador.
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