Geilson dos Reis
Pronto, soou a
sirene, ecoou o estalo, já estou no comando, ocupando o espaço. Pensei que era
fácil: “pré faço, refaço, apresento o prefácio”, a Galinha Pulando fez o
chamado e desceram poetas de tudo quanto é viela, de tudo que é lado,
armados(as), até a boca, de palavras. Tem preta cabulosa e preta encabulada,
versos que sangram, estrofes cortando até a alma, nas rimas a mira é sempre o
Estado. Pensa que é fácil? É galinha pulando para todos os lados. Chega aí, seu
leitor! Leitora, chegue mais, o campo tá minado, mas pode entrar na paz -
palavra de morte não são palavras mortas -, o livro tá vivo e só fala em juízo,
entra de quebrada, fecha a porta e tranca a capa, se baterem não abra, vamos
debruçar na leitura, fazer da dor catarse, passear na loucura concreta das
frases. Em cada página riscada uma esquina arriscada, como na via 30 com
celeste de “Flores e facas” desculpem os percalços, talvez o leitor(a) esteja
mal acostumado(a) com aquele jeito cânone de fazer prefácio. Livro de poesia
preta escrito por dedos marcados da sobrevivência negra, fogo cruzado entre a
mente e a caneta, o livro é a favela, cada linha é um gueto; poesia de preto
não é igual a soneto, serei teu guia, te levarei segura(o), até a 130 e te
trarei com vida, com algumas lesões e reflexões acerca das feridas que estarão
abertas a cada palavra lida. Chega de baratino, entre que eu vou te apresentar
o livro.
Estamos entrando na
avenida 10, no poema que denuncia o massacre da Vila Moisés, que será retomado
no “Cabula 12” da página 12, denúncia mostrada, o demônio aqui veste farda,
Ayran Yaiá diz: “Eu tava lá” quando a guerra foi declarada, na folha escrita da
página 20 a tragédia está anunciada. Bia vai falar o “Florescer”, mas fiquem
ligados(as) como “Desabafo” da poesia 24, ali, que o poeta vai dizer sobre o
mito do liberté, egalité e fraternité. Ainda há tempo, senhora(or) leitora(or),
se quiseres voltar desse cenário de horror, é que a guerra é ideológica contra
todo tipo de opressor, racismo, machismo e tantas fobias que aqui passou, a
poesia cortou no aço sem caô, não tem patrão, não tem doutor, se levantou,
“Guerrilha mina”, “Sistema nazista” do “Brasil genocida” de Fabiana Lima, “A
carta” de Fabrícia. A cada título tu verás um tiro, um grito, não tenha medo,
mas fique atento, estamos na página 70 “Tecendo sentimentos”, na 75 “Éramos humanos” nos versos de Tavares dos
Anjos, e novamente o demônio de farda segue matando.
É poesia marginal se
levantando, meus pés estão feridos, suas pernas estão cansadas, seus olhos
lacrimejam da leitura ou do cansaço, o livro fala, vivo, em juízo, sobre corpos
ceifados e vidas abandonadas, “Sociedade de fazer dor”, “noite vazia”, “Boi da
cara pálida”, o que você acha que esses poemas falam? Na rua da 88 tem poesia
“Desvendando a farsa”, não é fácil, mas é real, o que estamos vendo no
prefácio, você é testemunha do descaso, a “Resistência” segue noutras páginas,
como: “Podem me chamar” poema Negreiro da 102, “um grito da favela” rasga a
centésima sétima página e Rilton Júnior grita “REAJA”!!! Você viu a “Era da
informação” do Preto da Disgraça, e “Aprendi com os ancestrais” de Pedro Maia?
É, meu, camarada! Esse livro vai para a estante de sua casa.
Estamos chegando ao
fim da apresentação dessa edição e Cazumbá está lá com “Pés no chão”; como Rool
Cerqueira, eu também estou “sem RG”, mas aqui dentro é bala e fogo para os homi
do poder. Desacelera minha amiga e meu amigo leitor, na 120 tem mais um poema
“Sobrevivente” “para quem não esperava” e “Réu confesso” são dos santos, porém
nós estamos entregues aos demônios. Chegamos ao fim do livro, daí para frente
não há mais nada, mantenham a porta sempre fechada, a capa sempre trancada,
aqui dentro são, só, palavras, todavia, lá fora é só desgraça. “Dicotomias
entre dois mundo”, poesia da centésima trigésima página, um que mata outro que
narra, e se baterem na porta, não abra, faça silêncio, deite no chão, boca
fechada. Deve ser a bala, cercando a quebrada, perdida, ela sempre nos acha e
nos joga na vala, mas a favela resiste, a periferia levanta e a caravana não
para.
O livro, acima
apresentado, é mais uma antologia da poesia negra. Imbricada nas interfaces das
vivências que interseccionam corpos de pretas e pretos das favelas de Salvador,
coletivos de poesia, poetas e poetas das periferias que resistem e existem,
denunciam e reagem à violência do racismo, do machismo, e todas as fobias. Do
genocídio e do feminicídio gratuito do Estado brasileiro contra os corpos de
mulheres e homens negras(os)... espero que tenham gostado do passeio e leiam
por mais de uma vez esses poemas de gueto dos territórios negros. Ubuntu.
(*) Geilson dos Reis
é poeta, militante da cultura, professor, um dos responsáveis pelo Sarau Arte
Livre
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