quinta-feira, 7 de junho de 2018

Um livro escrito a duzentas mãos




Valdeck Almeida de Jesus
O que não se registra o tempo leva”
(Mãe Stella de Oxossi)

Em 2009 Leandro de Assis fundou o Fala Escritor, para reunir poetas para recital, declamação, palestras sobre o universo do livro, leitura e literatura. Faço parte da equipe desde então. O projeto me estimulou a conhecer outros escritores e, para isso, passei a circular pelos bairros da cidade; por conta disso, conheci vários grupos de poetas, saraus e coletivos, muitos surgidos nessa mesma época. O encontro com os artistas da palavra me levou a escrever mais, ler mais, conhecer e fazer intercâmbio. Nesses novos espaços  assisti apresentações de poetas individuais, homens, mulheres, crianças, senhores e senhoras, muitos com vários textos guardados, outros, ainda navegantes de primeira viagem. O grito essencial é contra toda forma de opressão, racismo, homofobia, gordofobia, transfobia, machismo, genocídio, racismo religioso; os poemas fazem denúncia social e trazem novas referências estéticas. Entretanto, o registro impresso dessa produção ainda é incipiente.

A antologia “Poéticas periféricas: novas vozes da poesia soteropolitana” é uma contribuição, concretiza sonhos de publicação e mostra uma visão panorâmica da poesia de diversos bairros de Salvador, além de marcar um momento histórico. Os artistas da palavra aqui representados são uma pequena parcela da grande quantidade de escritores, dos quais pouco se conhece, por conta do racismo estrutural que torna quase impossível a publicação, circulação, fruição da poesia da periferia negra.

Este livro não dá conta da profusão de poetas e poetisas, mas é um passo para catalogar e registrar nomes e obras de importantes autores de nossa cidade, apesar de a quantidade de exemplares não ser suficiente para chegar às mãos de todos os leitores, devido ao alto preço de produção e impressão. Para facilitar a circulação e difusão, o arquivo em PDF estará disponível no blog Galinha Pulando e nos sites da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia – Secult e Fundação Cultural do Estado da Bahia – Funceb. Nesse formato, o livro ficará acessível, também, às pessoas com baixa visão e a quem não enxerga, pois poderão ler o texto ao ampliar a fonte ou submeter a leitores Daysi[1], além de poder circular pela rede de internet com facilidade.

Registro meus agradecimentos a cada um dos coletivos que assinaram carta de anuência (lista abaixo), aos prefaciadores Dhay Borges, Geilson dos Reis e Tia Má, a Marcos Paulo Silva e Alisson Chaplin por cederem ilustrações para capa e contracapa, respectivamente, a Thi Zion pela gentil contribuição na revisão geral, e a cada um e cada uma que chegaram junto quando convidados(as), aos que puderam contribuir, aos que não se sentiram prontos ainda para publicar num livro, aos que tentaram, aos que fortaceleram de alguma forma, aos anônimos, enfim, espero que este seja apenas o primeiro passo de outros projetos e que, cada um a seu tempo, possa estar presente.

Importância do projeto - Fortalecer o trabalho já realizado pelos diversos coletivos, estimular a criação poética, proporcionar a circulação da produção de poesia através dos saraus e slams, propiciar o registro da produção literária, fomentar o mercado editorial local, colocar a produção poética em oportunidade de ser fruída em diversos territórios de identidade da cidade do Salvador. Além disso, o livro pode se tornar uma ferramenta para utilização em propostas de projetos culturais da cidade, do Estado ou mesmo da União, servir de produto educacional e artístico para utilização em salas de aulas, propiciando a inclusão social e cultural de poetas da cidade nos meios de produção do pensamento, da educação (in)formal e da cena estética e cultural da cidade.

Há reservas e críticas às políticas públicas relativas a cultura, sejam dos governos federal, estadual ou municipal. Teoricamente são acessíveis, de forma democrática e universal. Entretanto, o financiamento não chega a todos e todas, devido a uma série de fatores como complexidade dos grandes editais, burocracia inerente por exigência legal, total de dinheiro investido nem sempre suficiente para as demandas, dentre outros aspectos. São centenas ou milhares de projetos inscritos, muitos deles por pessoas ou grupos já experientes, o que acaba dificultando o acesso a outros coletivos que, na sua maioria, estão envolvidos para manter as atividades, não sobrando tempo para concorrerem a editais.

O Calendário das Artes – que patrocina este livro -, por outro lado, tem importância peculiar, pela simplicidade de acesso para grupos menos experientes. Mesmo assim, diante de tantos artistas inscritos e o limite de projetos selecionados, deixa muita gente de fora. Ainda é necessário muito mais investimento em cultura.

Fica aqui o meu profundo agradecimento e o registro de minha alegria em poder fazer parte deste grupo de artistas que se uniram em prol da poesia. Assim que foi lançada, a ideia de publicação do livro foi logo abraçada por parceiros e parceiras que fazem a cena literária da periferia acontecer. E esta obra literária é o resultado da contribuição de todos e todas os(as) participantes. Espero que tenham uma boa leitura!

Valdeck Almeida de Jesus é poeta e Jornalista



Artistas solo, grupos e coletivos que assinaram carta de anuência:
Artista Independente – Renata Rimet (Luís Anselmo)
Sarau da Onça e Slam da Onça – Sandro Sussuarana (Novo Horizonte)
Sarau da Jaca – Marcos Paulo Silva (Cajazeiras V)
Sarau do Cabrito – Fabrícia de Jesus (Alto do Cabrito)
Sarau do Gheto – Pareta Calderasch (Gamboa de Baixo)
Sarau da Laje – Alaíde Santana (Sussuarana)
Sarau Di Kebrada e Coletivo Cabeça – Udmila Santos (Paripe)
Slam da Soronha – Indemar Nascimento (Baixa da Soronha - Itapuã)
Slam Deixa Acontecer e Grupo Ágape – Evanilson Alves (Sussuarana Velha)
Sarau Zeferinas – Kuma França (Cajazeiras V)
Sarau Arte-Livre – Geilson dos Reis (UNEB – Águas Claras)
Sarau do Gato Preto da Sorte – Tiago Nascimento (Santo Antônio Além do Carmo)
Slam da Quadra – Lislia Ludmila (São Caetano - Calabetão)
Sarau Urbano – Larissa Barros (Engenho Velho de Brotas)
Sarau Boca Quente e Coletivo Boca Quente – Carlos Leleco (Dois de Julho - Pelourinho)
Sarau da Arte e Coletivo G13 – Josue Ramiro (Stela Mares e Ladeira da Independência)
Sarau Enegrescência – Lidiane Ferreira (Casa de Angola - Barroquinha)
A Pombagem – Fabrício Silva de Brito (Boca do Rio)
Sofia Centro de Estudos e Sarau Suburbano  – Ladailza Teles (Escada - Suburbana)
CEPA Jovem – Alex Bruno (Paripe – Barbalho - Lapinha)
Abafi Produz e Coletivo A TU AR – Iara Santos Vilanueva (Boca do Rio)
Artista Independente – Rafael Pugas (Garcia)
A Currute Poesias - Taíssa Cazumbá (Centro Histórico)
Editora Galinha Pulando – Valdecy Almeida de Jesus (Baixa dos Sapateiros)
Coletivo Nosso Palco – Samuca Koala (São Caetano)
Coletivo Pega Visão – Érick de Jesus (Sussuarana)
Coletivo Pé Descalço – Samuel Lima (Sussuarana)
Cine Sindicato – Luan Victor (Nordeste de Amaralina)
Resistência Poética e Poeta com P de Preto – Rilton Junior

Neste blog você pode encontrar uma mostra dos saraus da cidade:
www.sarausdepoesiaemsalvador.blogspot.com.br.



[1]     Dorina Daisy Reader - aplicativo de leitura de livros digitais criado pela Fundação Dorina Nowill para cegos em parceria com a Results.

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